Coluna MND — Mulheres negras e tecnologia

inventando novos mundos possíveis

Mulheres Negras Decidem

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É difícil saber qual a melhor forma de começar um texto sobre mulheres negras e tecnologia. Eu poderia começar apontando a preocupante falta de diversidade nas carreiras relacionadas à tecnologia. Ou chamando a atenção para as numerosas evidências de como nós, mulheres negras, somos um dos grupos mais impactados negativamente por violência de gênero na internet. Ou trazendo estudos que mostram que as mulheres negras são os principais alvos de violência política ou lembrando que algumas das ferramentas mais utilizadas na internet perpetuam estereótipos machistas e racistas sobre meninas negras. Ou contando como ainda temos pouco acesso à tecnologias digitais, e que, no contexto de pandemia e educação à distância, as meninas negras estão dentre as pessoas que tiveram seu direito à educação violado.

Indiscutivelmente, quando o assunto é a relação entre mulheres negras e tecnologias digitais, temos muitos motivos para pessimismo. Temos cada vez mais evidências de como algumas das tecnologias digitais mais difundidas estão sendo usadas para reforçar a supremacia branca. As redes sociais, onde mulheres negras sofrem mais violência até agora, não buscaram meios de combater esses ataques de forma efetiva. Tecnologias de vigilância seguem reforçando o racismo, especialistas indicam que as tecnologias biométricas e de reconhecimento facial, em grande medida, estão sendo usadas para violar direitos humanos.

Mas, enquanto vivemos esse período tão difícil e exaustivo, eu não conseguiria escrever sobre outra coisa que não sobre a imaginação e o talento das mulheres negras que estão criando, produzindo e pensando sobre tecnologias.

Como alguém que há alguns anos passa boa parte dos seus dias pensando sobre tecnologia, é incrível acompanhar as mulheres negras que estão pensando criticamente sobre essas tecnologias e os efeitos que elas geram. Mulheres negras estão liderando pelo Brasil todo (e pelo mundo também!) um exercício de reimaginar e reconstruir novos caminhos para as tecnologias digitais.

Nós mulheres negras temos atuado com tecnologia a partir dos nossos antepassados e levando em consideração seu impacto no futuro.

(Nina da Hora)

Minas que Programam e Preta Lab

Os exemplos de como isso tudo está se materializando são muitos.

Temos organizações como o Minas Programam, o qual sou uma das fundadoras, onde meninas e mulheres negras há mais de 6 anos podem aprender sobre programação gratuitamente. Temos instituições como Geledés, que há décadas defende os direitos das mulheres negras e foi a primeira ONG no Brasil a ter uma página online. Há também comunidades como a Rede de Ciberativistas Negras, facilitada pela ong Criola e composta por mulheres negras de todo o país, além de plataformas como o Blogueiras Negras, que há 9 anos vem transformando o debate público sobre gênero e raça, usando a escrita e as tecnologias digitais como ferramentas para ativismo. Iniciativas como a PretaLab, que desenvolve projetos para dar visibilidade a mulheres negras e indígenas na tecnologia, espaços como Aqualtune Lab, onde direito, raça e tecnologia são discutidos de forma interdisciplinar e coletivas como a Periféricas, que está pesquisando violência digital de gênero e COVID-19 no Brasil.

Mulheres negras têm usado as tecnologias digitais na política também. Nos últimos anos, campanhas eleitorais de mulheres negras fizeram uso das tecnologias digitais para a organização e articulação de candidaturas. Exemplos incluem o Mulheres Negras Decidem (que eu tenho o prazer de acompanhar), que tem promovido uma agenda liderada por mulheres negras na política institucional, e o Movimento Eu Voto em Negra, uma campanha pela representatividade política, aumentando a participação feminina e negra nos espaços de poder na região Nordeste. Estas e outras iniciativas são alguns dos mais importantes legados das eleições municipais de 2020: a enorme rede de articulação de mulheres negras que se apropriaram de espaços físicos e virtuais para a promoção de participação política e a potencialização das suas comunidades.

Nós somos tantas. E seremos mais.

Imagem retirada do site: Aqualtune Lab

Apesar da realidade sombria e avassaladora de como as tecnologias digitais são usadas de formas que impactam negativamente as pessoas mais marginalizadas, temos um crescente movimento de mulheres negras pesquisadoras, tecnologistas e ativistas que, inspiradas em estudos feministas negros sobre tecnologia, estão lutando por tecnologias melhores.

Entrevista da Dra. Ana Carolina Lima ao Portal UOL sobre Racismo Calculado e Algoritmos de plataformas e redes sociais.

Faz muito tempo que mulheres negras, no Brasil e no mundo, estão estudando tecnologias digitais, diagnosticando como elas reforçam estruturas de opressão e elaborando alternativas para tecnologias mais justas. Mais do que nunca, está na hora de sermos escutadas ao falarmos sobre isso, sendo vistas como lideranças nessas áreas. Nossos projetos e organizações precisam ser levados a sério por financiadores que tenham uma visão humanizada do nosso trabalho e que almejam construir em conjunto a produção de tecnologias por meninas e mulheres negras, para que possamos usar toda a criatividade que mencionei nesse texto para de fato modificar as estruturas de poder problemáticas que envolvem gênero e raça no campo da tecnologia.

Fim

Texto por: Bárbara Paes (Co-fundadora do Minas que Programam e articuladora MND)

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Mulheres Negras Decidem

Não há saída para a democracia brasileira sem a energia das mulheres negras.